sexta-feira, 30 de maio de 2014

Fabio Calderaro, de Rio das Ostras, no Audax em Volta Redonda

Relato do ciclista que sempre participa de provas do Audax, mostrando várias situações que fortalecem o esporte, mostra as dificuldades que existem pelo caminho e como se formam amizades.



Após 5 meses praticamente sem pedalar, finalmente me inscrevi para o meu primeiro Audax de 2014, o brevet 200km de Volta Redonda.
Não sabia muito ao certo o que ia rolar, somente que seria o brevet do Audax Rio mais desafiador até hoje. Já fiz distâncias bem maiores, mas nunca com essa altimetria. Estava animado, porém apreensivo.
Faltando por volta de 20 dias pro evento, fiz uns treinos bem curtos aqui em Rio das Ostras, só para aquecer as pernas e testar a bicicleta. Fiz aproximadamente 5 treinos de 30km (juntando os 5, não dava os 200km do brevet).
E lá vamos nós!

Meu Audax começou no sábado às 10 da manhã, quando saí de Rio das Ostras em direção a Rodoviária Novo Rio, onde fiquei de encontrar um amigo audacioso, o Ricardo Paiva.
Saímos por volta de 13h para dar tempo de chegar a reunião técnica, que estava marcada para às 16h na SMEL de VR. No entanto, por preguiça de ligar o GPS e por falta de atenção nas placas, acabei pegando a Washington Luiz ao invés da Dutra. Dessa forma, fizemos um "passeio" de 2h em Petrópolis. Nada fora do comum, voltamos a rota e seguimos viagem.
Chegamos em Volta Redonda, a reunião já havia acabado e não pegamos informações cruciais para esse brevet. Felizmente o thiago ainda estava lá e nos deu algumas dicas.

Chegando no hotel, encontramos outros ciclistas e o Thiago, organizador, que também estavam hospedados lá.
Ricardo e eu decidimos dar uma volta no Shopping, que fica a 300m do hotel para procurar algo pra comer. Lugar melhor que o Spoleto em uma véspera de Audax não existe. Assim que saímos, fomos ao Extra e compramos água, chocolate e biscoito para levar pra prova.

No dia seguinte, chegamos ao local da largada por volta de 6:40, 20 minutos antes da largada oficial; e, ao contrario do que dizia a meteorologia, não choveu!
Felizmente a largada atrasou um pouco e tive tempo suficiente pra montar a bicicleta inteira, literalmente. Encontrei alguns amigos de outros Audaxs, e aproveitamos para colocar o papo em dia.
Finalmente, às 7:25 o Thiago deu a largada. Momento sempre muito emocionante e animado, mas a minha animação durou pouco - 30 segundos, para ser mais exato!
Descendo do meio fio, meu alforge (topeak dynapack) quicou, quebrou e caiu na rua. Primeiro pensamento: "já era, vou desistir aqui mesmo. Impossível consertar isso aqui agora".
Surpreendentemente, o Christiano Goulart e um voluntário da prova vieram na hora, não tinha passado 2 segundos, pegaram a bike e começaram a fazer o que parecia uma cirurgia. Surgiu uma caixa de ferramentas do além e iniciaram o conserto do alforge, que estava quebrado no encaixe. Infelizmente não tínhamos o que era necessário (uma porca) e depois de 15 minutos lembrei que tinha uma mochila no carro. Virei a mochila de cabeça pra baixo e caiu tudo o que tinha dentro, espalhando pelo carro. Virei o alforge dentro da mochila e pronto. Mesmo largando com 25 minutos de atraso, ainda estava na prova e era isso o que importava.
Quando estava quase saíndo, chegou outro ciclista (beeem atrasado), o Alessandro. Christiano nos guiou de carro pela rota certa e seguimos viagem. Como alessandro é de Volta Redonda, ele já conhecia o caminho que teríamos que fazer e fomos embora. O bom de fazer novos amigos no Audax é que vamos conversando de experiências ciclísticas e isso faz o tempo passar mais rápido.

Por volta do km 30 ou 40 passamos pela divisa de estados entre Rio de Janeiro e São Paulo, foi a primeira vez que cruzei a fronteira de bicicleta. Espero que se repita, é um sentimento bem peculiar de liberdade. De carro não temos tempo para apreciar esse momento, nem a paisagem; de bicicleta a história é outra.
Estávamos nos aproximando do primeiro PC, em Rancho Grande, que ficava no km 48, quando me distanciei do Alessandro. Escalei uma das mais cruéis subidas que já pedalei em toda minha vida. Alguns ciclistas acharam bem tranquila, enquanto eu achei um inferno total. Infelizmente não temos grandes subidas em Rio das Ostras, então meu treino consiste basicamente em retas e vento contra. Quando vejo subidas com grande extensão, ela realmente me mata. Nota mental: largar o carro em Casimiro e treinar frequentemente na serra até Lumiar.

Cheguei no 1º PC e estava praticamente vazio. Apenas 3 ciclistas só estavam lá porque estavam esperando um amigo que se perdeu, se não já teriam seguido viagem há tempos. Decidi sair com eles e fiquei logo para trás por causa das subidas. A galera tem perna de aço.
Segui sozinho do km 44 ao 88 (PC 2 - Piraí). Seguir sozinho tem 1 pró e 1 contra. O pró é que vai no seu ritmo, do jeito que você é e pode pensar na vida. O contra é justamente estar sozinho, não preciso dizer mais nada.

Ao longo do percurso, cada um dos 70 ciclistas que estavam na minha frente passaram por mim no sentido oposto. Muitos deles com 35km de diferença (essa galera realmente voa). Eis que aparece o Ricardo Paiva, meu companheiro de viagem, e parou para perguntar o que havia acontecido na largada. Após uma breve conversa de 1 minuto, seguimos viagem em sentidos contrários. Ainda faltavam 12km até o PC2 e a tão sonhada macarronada.
Chegando em Piraí, tive alguma dificuldade em localizar o PC, felizmente vi alguns ciclistas saíndo e era alí que eu deveria entrar. Cheguei faltando 15 minutos para o fechamento. Comi um belo prato de espaguete ao sugo e passei o tempo conversando com o João, responsável pelo PC 2. Aproveitei para tomar um banho na pia e tirar a calça que estava por baixo da bermuda.

Saí sozinho do PC 2, pois fui o último a chegar e até então achando que o Alessandro havia desistido.
6km depois ele surge na estrada. Troquei gritos com ele e ele disse que ia ficar por alí mesmo, que não ia continuar. É sempre muito triste quando alguém desiste, mas Audax é isso.
Por volta do km 105, vejo ao longe um ciclista parado. Decidi dar uma acelerada para alcançá-lo. Esforço inútil, ele não me viu e saiu pedalando. Parou novamente poucos metros depois e o alcancei.
Perguntei se estava tudo bem, se precisava de ajuda e ele disse que achava que o pneu havia furado. Felizmente descobrimos que só havia esvaziado um pouco e não estava furado. Aproveitei a pequena pausa para tirar a segunda pele e ficar apenas com a camisa para dar uma resfriada. Nesse momento conheci o Álvaro "Spider" Graciano, meu parceiro de pedal até o km 200.

Seguimos em direção a Arrozal, PC 3, que ficava no km 124. Esse trecho da prova não era ruim. O asfalto era bom e as subidas não eram cruéis, deu pra levar numa boa. Chegamos na pracinha onde fica a placa "Fazenda da Grama", sentido Arrozal e decidimos parar na lojinha que havia ali. São essas lojinhas que nos salvam. Em pleno domingo a tarde, absolutamente nenhum carro na estrada, no meio do nada, lá estava a loja do senhor que não sei o nome, mas que parecia feliz. Assistindo Discovery Channel e eu com uma baita inveja. Tomei uma bela Coca gelada e um barra de Milky Way e seguimos viagem.

Meu estado físico era normal, as pernas pouco doloridas e bem pouco cansado. No entanto, estaria bem melhor se estivesse no auge do meu treinamento, embora já estivesse sentido as primeiras pontadas de caimbra. O que não é um bom sinal, já que no Audax 400km de Rio das Ostras não senti caimbra em nenhum momento.
O trecho era bom, vento a favor e apenas uma subida bizarra. Pela primeira vez nesse audax, desci da bike e resolvi empurrar. Tinha condição física de subir, mas não valia o desgaste naquele momento. Resolvi poupar a perna e empurrei por 100m acima. Não tenho vergonha de admitir isso, empurrei e empurraria novamente.

Chegando ao PC3, encontrei o Alessandro dentro do carro da organização, já inteiro e com cara de descansado. Encontrei também o voluntário do Audax que me ajudou com o alforge quebrado. Sinto vergonha de não ter perguntado seu nome. Descansamos bem, aproximadamente 20 minutos, e seguimos viagem.
Sabia que a partir de agora não era mais brincadeira. Tudo o que desci pra chegar até o PC3, seria uma puta subida. Por diversas vezes o Spider me deixou pra trás, eu sempre insistindo pra ele ir embora e me deixar, eu estava bem e falei "cara, pode ir embora vou ficar muito chateado se você não terminar no tempo porque ficou me esperando". Mesmo assim, muito persistente, ele continuou comigo até que chegamos no km 135 e tive que mentir pra ele "cara, vai embora.. no ritmo que estou não vou completar dentro do horário e já sei disso. Se você acelerar, você vai terminar dentro do tempo". E assim foi, ele partiu na frente e fiquei sozinho subindo as intermináveis paredes a 5km/h. Em determinado momento, não sei precisar a quilometragem, o meu Audax acabou. Sim, acabou. Alí eu desisti. Enquanto escalava a segunda pior subida da prova deu uma caimbra tão forte que minha perna travou. Não conseguia pedalar nem andar. Nesse momento sentei no meio fio e pude sentir algumas lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Mentalmente pedi desculpas a todos que acreditavam em mim, sem sinal, não pude ligar praqueles que me apoiam nos momentos dificeis como esse. Estava tudo acabado durante 5 minutos. No entanto, EU SOU AUDACIOSO PORRA, peguei a pomada na mochila, fiz uma massagem doida na cocha e me arrastei. Apoiado na bicicleta, me arrastei o máximo que pude sem colocar a perna direita no chão. Do nada um ciclista apareceu, disse que era amigo de outros participantes do Audax, mas que não estava participando. Troquei algumas palavras com ele. Me perguntou se estava bem, se precisava de algo. só falei "cara, eu tô bem.. se tu chegar no PC antes de mim, avisa que eu vou concluir o audax, dentro ou fora do tempo". Ele seguiu viagem e a caimbra passou. Avistei ao longe um posto BR, aos meus olhos, avistei ao longe a minha salvação. Felizmente a loja de conveniência estava aberta. Comprei uma batata ruffles e um isotônico e descansei por 15 minutos.

Vi a hora, já era. O PC 4 já estaria fechado até eu chegar. Ainda faltavam uns 15km e tinha menos de 1h pra chegar lá. No meu estado, seria impossível. Felizmente essa parte do trajeto era composta por uma grande quantidade de descidas e consegui acelerar bem a bicicleta. Embora estivesse realmente cansado, dolorido, e sentindo pontadas alucinantes nas 2 coxas e panturrilhas. Com certeza por falta de treino, falta de preparo pra encarar aquelas montanhas. A noite já havia caído, liguei o farol da bike e continuei a viagem.

Embora convicto de que terminaria o Audax morto ou vivo, parte de mim queria chegar depois do horário do PC e finalmente entrar dentro de um carro e ir pra casa.
Cheguei no PC 4 e, pasmem, encontrei o Spider descansando. O Felipe, responsável pelo PC ainda falou "cara, eu já tava quase pegando o carro pra te procurar pela estrada, só faltava você a chegar.. mas passou um cara aqui e disse que você ia concluir o Audax de qualquer jeito, então resolvi esperar"
Depois do descanso de 15 minutos, estava novo em folha para encarar os 48km restantes. Segui junto com o Spider e o Felipe foi fazendo o nosso balizamento. Achei impressionante a paciência que ele teve em dirigir 48km a 10~20km/h atrás da gente.
A ladeira que na ida tinha sido a pior até hoje, na volta foi bem tranquila, não era muito ingrime e deu pra seguir bem..
Ao longo desses 48km restantes, eu e Spider paramos 3x por 5 minutos para descansar do sobe-e-desce sem fim daquela região.

Chegando em barra mansa, faltavam apenas 10 ou 15km, mas o trecho era apenas de retas e foi teoricamente tranquilo de pedalar.
Depois de enfrentar o trânsito movimentado de Volta Redonda, finalmente chegamos na praça Sávio Gama, local da largada e chegada desse incrível e desafiador Audax.
A hora? Bem, chegamos apenas 5 minutos do encerramento. Isso mesmo, minha prova durou 13h25min.
Feliz da vida, com um sentimento imenso de dever cumprido e com o peso da medalha no pescoço, finalmente havia chegado o fim desse brevet de 200km e 2,517m de altimetria.

Agradecimentos:
Agradeço primeiramente a minha esposa Nathalia Moraes, pela força e apoio incondicional. "Se você não for treinar AGORA, eu não vou deixar você ir".
Aos meus pais, Angelo e Suely e familiares, por sempre acreditarem em mim.
Ao meu irmão Rafael que infelizmente não pôde ir, mas que fez falta e teria se divertido tanto quanto eu.
A galera da organização, Pedaldois Cicloturismo, Thais, João e os outros voluntários que não sei o nome, pelo carinho e cuidado com todos os ciclistas. Vocês são os responsáveis pelas nossas loucuras, pela nossa segurança e para que tudo dê certo como sempre deu.
Ao Christiano Goulart e ao voluntário que não sei o nome, pela força de vontade e altruísmo ao me ajudar no início da prova com o alforge quebrado. Vendo a disposição de vocês, me fez acreditar que nunca estarei sozinho em nenhum brevet.

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